(Publicado originalmente na Gazeta do Povo em 07/06/2011)
Não parece ser novidade que
episódios dramáticos como o do Realengo suscitem, dentre tudo, discussões em
torno de “crimes” e de “penas”; normalmente “mais crimes e penas mais altas” ou
até mesmo um plebiscito.
O Congresso, que tem legislado
vorazmente em matéria criminal, em particular, nos últimos vinte anos,
alinha-se com as chamadas políticas de “tolerância zero” e de “lei e ordem” e
liga-se a episódios comunicados fantasticamente. Digo nas duas últimas décadas,
porque se pode falar de fatos ocorridos, na vida nacional direta ou
indiretamente, que estariam vinculados leis em matéria penal: seqüestros de
empresários no Rio e em São Paulo com a Lei de Crimes Hediondos (1990), e suas
alterações em face da morte da atriz Daniela Perez (1994) e da CPI dos
medicamentos falsificados (1998); o episódio na Favela Naval de Diadema e a Lei
de Tortura (1997); o chamado “Salve Geral”, ocorrido em 2006, cuja autoria se
atribuiu ao PCC e a nova Lei de Drogas, apenas para referir alguns. Outros
tantos ensejam projetos de lei ou de emendas constitucionais: o caso do menino
João Hélio engrossou a lista de projetos para a redução da idade para imputação
penal; o caso de Suzane Hichtoffen retomou a discussão sobre o exame
criminológico (feito para obter um regime mais brando que, desde 2003, deixou
de ser obrigatório, também porque sua duração, em alguns lugares, era de olímpicos
8 minutos!); o caso de Luisiânia ensejou a tramitação do projeto sobre
castração química, e assim em diante.
No âmbito do processo penal, as
coisas parecem seguir pelo mesmo caminho: o caso Nardoni teria ensejado a
diminuição do número mínimo de peritos (agora somente 1) para realizar os exames
periciais; o caso Doroty Stange teria colaborado com a supressão do protesto
por novo júri; o caso Eldorado de Carajás alteração a competência para julgar
policiais militares.
A mensagem oficial que acompanha
estas leis que prevêem “mais crimes, penas mais altas, e menos benefícios” ou
mesmo o “endurecimento” na execução penal é combater a criminalidade e evitar a
impunidade. Um dado me faz pensar acerca de uma pretensa “eficiência” da idéia:
a população carcerária aumentou – nestes 20 anos – mais de 300% (olhando os
dados oficiais do próprio sistema penitenciário), assim temos quase 500.000 presos
e mais 500.000 prisões a serem cumpridas. Isso significa 1.000.000 de pessoas
às barras do sistema de justiça criminal.
A violência, segundo frase que
gravita no senso comum, continua aumentando.
Cabe-me considerar que o crime,
como já disseram muitos há séculos, passa a ser um importante produto, não só
econômico como também e especialmente político: se olharmos as “plataformas”
das últimas campanhas eleitorais e as “ações de governo” nos âmbitos municipal,
estadual e federal, iremos nos deparar com a “oferta” de segurança pública e de tudo que com ela se
relacione.
Entretanto, não refiro aqui a
questão cruel e caótica do sistema penitenciário do país, nem a precariedade do
sistema de justiça criminal (para nós do PR, agravada pela falta de Defensoria Pública),
tampouco as idéias de pena como castigo ou como ressocialização. A reflexão é
sobre as relações humanas, algo bem mais complexo e como as interações sociais
contribuem ou não no processo de cometimento de crimes. Portanto, não me
aventuro a propor uma “solução para a criminalidade”, mesmo porque (se ela
existir) precisará de todos nós, parece-me.
Quero apenas refletir sobre a
capacidade que disposições de natureza penal tem sobre a não realização de
crimes. Quem deixa de cometer crimes por medo das penas a
eles previstas? Quem os comete porque a pena é branda demais?
Já foram muitos os estudos que desqualificaram, com razão – acredito – estes efeitos intimidadores. Há muitos outros fatores que determinam a não realização de delitos: mais potentes, muito mais duradouros e bem mais complexos do que a existência de leis.
eles previstas? Quem os comete porque a pena é branda demais?
Já foram muitos os estudos que desqualificaram, com razão – acredito – estes efeitos intimidadores. Há muitos outros fatores que determinam a não realização de delitos: mais potentes, muito mais duradouros e bem mais complexos do que a existência de leis.
Arrisco dizer que o que nos leva
a realizar um homicídio ou a deixar de fazê-lo provém de uma multiplicidade de
fatores, bem mais nodosa e bem mais profunda do que a mera existência
de lei. Digo isso até para que pensemos que é provável que não se mataria mais se as penas fossem reduzidas pela metade, ou substituídas por restrições de direitos.
de lei. Digo isso até para que pensemos que é provável que não se mataria mais se as penas fossem reduzidas pela metade, ou substituídas por restrições de direitos.
A dificuldade ou o desinteresse
da compreensão de tais fatores, que passam por determinações vindas de tantos
tempos e de tantos campos do conhecimento humano e que
influenciam nas condutas individuais e sociais, parece ser o que faz com que reduzamos tudo ao texto da lei. Um modo fácil de nos livrarmos destes compromissos e do que eles significam é depositar na lei a salvação de todos.
influenciam nas condutas individuais e sociais, parece ser o que faz com que reduzamos tudo ao texto da lei. Um modo fácil de nos livrarmos destes compromissos e do que eles significam é depositar na lei a salvação de todos.
A história do indivíduo e da sua comunidade,
as questões culturais e religiosas, os fatores econômicos e políticos, o modelo
social e estruturante da vida que se leva influenciam nas
condutas que se tem, inclusive, frente aos outros e ao próprio “crime”. Isso acaba sendo reduzido e banalizado.
condutas que se tem, inclusive, frente aos outros e ao próprio “crime”. Isso acaba sendo reduzido e banalizado.
A banalização da vida e da morte
não pode ser pensada unicamente sob o prisma do crime e da pena. Se assim fosse
porque a enxurrada de leis penais (nestes 20 anos) não diminui o crime, porque
as penas não intimidam, porque as carceragens fétidas e desumanas não assustam?
Quais os fatores que seguram ou puxam muitos gatilhos todos os dias?
Precisamos nos olhar e nos
reconhecer nos outros. O plebiscito não é nossa salvação.